Haverá Vida para lá da Vida?

Num momento da minha vida em que tudo se questiona e nada do que era continua a ser, surge este espaço no qual tenciono partilhar com quem por aqui passar um pouco das minhas duvidas, dos meus pensamentos e ideias, esperando que os vossos comentários me ajudem a reencontrar o meu caminho e que os meus pensamentos vos ajudem no vosso... Espero vêr-vos por aqui, neste limbo virtual da vida...

6.11.04

Indecisão

A água da chuva escorria pela janela da sala.
Sentado no sofá, ingeria programa de televisão um atrás do outro, sem bem ter consciência dos conteúdos ou do porquê de não se conseguir desligar daquilo. Bastava apenas um pequeno toque no botão OFF do comando mental. Desligar do mundo das imagens e ligar o cérebro. Mas era tão mais fácil... simplesmente deixar-se inundar pelas cores e sons, abstraindo a mente de todas as coisas em que não queria pensar...
Constantemente à espera que ela ligasse.
Ou melhor ainda: que, de forma totalmente inesperada, tocasse à campainha.
Mas depois lembrava-se que ela nunca viera a sua casa; provavelmente nunca daria com a mesma sem lhe telefonar a pedir indicações e, isso, iria estragar completamente o momento imaginado pois sabia que ela não o faria. Se nem sequer lhe ligava para, apenas, conversar, porque diabo o faria para saber aonde ficava a casa dele?
"E assim caem as fantasias" – pensou. Que mania irritante de racionalizar tudo... porque não deixar-se embalar um pouco mais na ideia da presença dela: espontânea, fruto de uma necessidade dela de estar consigo...
Ah, mas para isso é que tinha a televisão: para se embalar com a fantasia.
Estava farto daquela vida: todos os fins-de-semana era a mesma coisa, fechado em casa, tentando impedir a entrada do mundo ao mesmo tempo que se afogava em imagens irreais. E depois a segunda-feira, a rotina de há tantos anos, a chegada ao escritório, o trabalho monótono...
Talvez de toda a televisão que consumia (ou por causa dos pacotes de bolachas e batatas fritas que normalmente serviam de acompanhamento) a verdade é que se começava a parecer com o clássico solteirão de meia-idade (apesar de só ter passado as 30 primaveras há dois anos): a barriga estava a ficar pendente demais para que os seus meros 1m73 a pudessem contrabalançar; o cabelo rareava de dia para dia, quase como se cada cabelo que encontrava no ralo da banheira após o banho tivesse morto a raiz ao cair... enfim, não havia nada em si que lhe desse a confiança necessária para fazer uma declaração amorosa...
Não sabia o que fazer para mudar as coisas, para se sentir bem consigo mesmo e ter vontade de fazer alguma coisa que o deixasse de bem consigo mesmo.
Ao voltar da cozinha, uma lata de cola numa mão e um pacote de bolachas na outra, acidentalmente sentou-se em cima do comando da TV, desligando-a. Imediatamente procurou o comando entre as almofadas mas, quando a sua mão o encontrou já havia decidido não a voltar a ligar: "ora, o mundo há-de ser mais do que esta minha vida. Lá dizia o outro: se Maomé não vai à montanha... Vou procurá-la. Está decidido. Hoje vai ser o primeiro dia do resto da minha vida. Espera aí... que horas são?" Olhou para o relógio. 20h58. "Ora bolas, amanhã tenho de me levantar cedo para ir trabalhar... se saio de casa agora vou atrasar o jantar... e às 22h vai dar aquele filme que quero ver... Antes das 21h30 não consigo sair: ainda tenho de me vestir e esperar que o frango esteja cozido... E depois, vou por aí fora e nem sequer sei se ela está em casa. Podia-lhe ligar. Pois, e o que lhe digo? Vou até tua casa pois não consigo mais viver sem ti? A tipa vai achar que sou louco! Enquanto que se aparecer de surpresa... E se ela estiver com alguém em casa? É verdade que já não namora com aquele parvo mas, enfim, uma mulher tão bonita como aquela não há-de ficar muito tempo sozinha... O que é mais uma razão para eu ir e Ups, já são 21h10. Agora é que está mesmo tarde. OK. A partir de amanhã. Semana nova, vida nova. Amanhã será o primeiro dia do resto da minha vida."
Tirou uma bolacha do pacote e ligou a televisão.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabéns;) Mais um belo texto literário. Desta vez sobre o amor/desamor, ou o vício do amor (querermos ser amados por quem nos não ama) e a solidão.

10:54 da manhã  
Blogger Conceição Paulino said...

Foi gralha o comentário anterior seguir como anónimo.
Bjs aos molhinhos para ir desfolhando à medida da necessidade.

10:55 da manhã  
Blogger Clio said...

Tmara - antes de mais, o que aqui tento espelhar, é a necessidade de nos amarmos a nós mesmos... o que por vezes é bem díficil!

2:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um texto curioso, curiosidade implicando a sua continuação.
António

7:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

gostei. identifiquei-me com o medo de fazer aquilo que realmente se deseja.a vida não é perfeita e tanto a felicidade como a desilução fazem parte da nossa curta passagem pelo mundo.
tulipa

8:23 da tarde  
Blogger Clio said...

António - pode ser que um dia continue a saga do meu indeciso... ainda nao tomei uma decisão! Obrigada por lêr e espero continuar a ver os seus comentários

1:53 da tarde  
Blogger Clio said...

Tulipa - é... quantas vezes não deixamos de fazer uma coisa apenas porque temos medo... mas quer se ganhe quer se perca, isso faz parte da vida. O que não o faz é ficarmos fechados em casa à espera que as coisas venham ter connosco. Se não se tenta, nunca se consegue alcançar os nossos objectivos. Força e coragem para todos: nunca desistir de Viver!!

1:55 da tarde  
Blogger Clio said...

Pedro - acho que acaba por ser um ciclo vicioso: afastamo-nos por não estarmos bem connosco e ficamos cada vez piores por estarmos sozinhos...
Fico então à espera de te ver por cá de novo

2:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

TenhO mais medO da Vida
Do que medO da Morte
TenhO mais medO de Cair
Do que Voar altO.

TodO Mortal tem uma historia
Toda História tem um Fim
Cada batalha tem sua Glória
e Suas ConseqüênciaS.

2:04 da tarde  

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