Cresce-se lentamente, os sonhos, regados diariamente por mão meiga, de pai, mãe ou avós. . . desenvolvem em nós a ilusão.
Um dia –talvez durante uma das muitas crises de adolescência - descobre-se que afinal, o mundo não decorre em nosso redor: nós não somos os mais importantes, os mais bonitos ou os mais inteligentes. Nós não somos a personagem principal da história, a do final feliz que derrota os maus, casa com a donzela e, no meio de riqueza e fausto, vive feliz para sempre. Nós somos as figuras secundárias, os figurantes, aqueles por quem a caneta não chega a traçar uma linha ou a câmara não apanha sequer num plano esbatido. E descobre-se que o mundo é todo feito de personagens secundárias que dão cor a uma qualquer história que, talvez, não tenha sequer personagens principais – as tais às quais, mesmo após um ou dois percalços, corre tudo bem. E descobre-se que os tais sonhos, os regados pelos pais, já o não são mais. Chegou a altura de os trocar por um horário das 09h às 18h, igual ao dos pais, os quais nos mantiveram na ilusão de um mundo que nunca existira, nem para eles.
E descobre-se que não se consegue viver sem os tais sonhos. Mas agora, somos nós quem tem de segurar no regador. . . mas ele é tão pesado. . . os pais eram tão grandes . . . com a mesma facilidade com que pegavam em nós com uma mão e no nosso irmão com a outra, fazendo os nossos cabelos voar num corrupio mágico, com essa mesma facilidade davam água aos nossos sonhos.
Agora os pais já não vêm o tal regador. E este cresceu tanto, ou a água não é água mas areia, tão pesado. . .
E quando tentamos regar o rebento, a areia destroi-o sufoca-o em pó, mata-o com o seu peso. Ou então é a nossa falta de jeito que deixa cair o objecto em peso em cima do vaso. ou então, somos nós quem se esquece do pequeno rebento e o deixa minguar, secar, apodrecer.
Talvez um dia, daí a muitos anos, enquanto se explora o sotão das recordações se encontre um vaso pequeno e velho, mesmo escaqueirado. E não nos lembramos para que é que aquilo serviu e deitamos fora, juntamente com todo o lixo que deixámos acumular com o passar das décadas.
Os sonhos podem, de facto, ser vistos como flores.