Haverá Vida para lá da Vida?

Num momento da minha vida em que tudo se questiona e nada do que era continua a ser, surge este espaço no qual tenciono partilhar com quem por aqui passar um pouco das minhas duvidas, dos meus pensamentos e ideias, esperando que os vossos comentários me ajudem a reencontrar o meu caminho e que os meus pensamentos vos ajudem no vosso... Espero vêr-vos por aqui, neste limbo virtual da vida...

30.10.04

O que se segue é um texto um pouco violento mas volta e meia encara-se o mundo das mais variadas formas...
Nasceu como uma ideia para uma Banda-Desenhada que nunca se concretizou e, se o conseguirem visualizar mentalmente, cheio das cores do pôr-do-sol em cada imagem, verão como, apesar da sua brutalidade, não deixa de ser belo. Ou, pelo menos eu assim o penso...
Deixem a vossa opinião!

Rapina

Eram 20:30 e o telefone nunca mais tocava. Deixou a cabeça escorregar entre as mãos, escondendo-a nos braços, de encontro ao peito.

Lá fora não chovia nem estava calor.

“Anda tudo indeciso” - pensou

Era o fim do dia e o sol ia-se apagando.
Por um canto da janela viu um raio desaparecer entre as nuvens. Agarrou a ponta mais comprida deste, deixando-se arrastar para o céu.

Lá do cimo olhou para a terra e não viu nada que lhe interessasse - uma cidade velha em decomposição rodeada de tantas outras tão mortas como ela, habitadas por destroços humanos.
Sentiu as costas rasgar, numa dor lancinante que a fez soltar o raio a que se agarrara.
Enquanto caia a dor aumentava, alastrando a todo o corpo. Sem conseguir aguentar mais abriu a boca para um grito de dor. Um guincho estridente foi tudo o que os seus ouvidos escutaram, ao mesmo tempo que tomava consciência da sua nova forma. Agitou as asas, afastando-se velozmente do chão que se aproximava para a receber.

Dirigiu-se ao topo de um prédio no centro da cidade e observou as pessoas que passavam.

A sua nova visão permitia-lhe ver as presas como se estas estivessem ao seu lado.
Atentamente, decidiu qual seria o seu jantar.
De um salto, mergulhou no coração da cidade, silenciosa e rápida.
Agarrou as costas da presa que escolhera, arrastando-a pelos ares para fora da cidade.
Uma rápida bicada foi o suficiente para lhe rasgar o pescoço. Foi depenicando a cabeça enquanto com as garras ia rasgando as roupas que cobriam o corpo.

Estava a comer-se a ela própria - pensou.

Mas com um rápido sacudir das penas afastou a ideia do pensamento. Era livre. Era diferente pois conseguira fazer o que nunca antes alguém conseguira. E agora podia acelerar o processo de decomposição. Sentia-se mais como um abutre que depenicasse um cadáver do que uma ave de rapina que comia carne ainda quente.
Durante dias vagueou pelos céus das cidades próximas, brincando ao gato e ao rato com os seres indefesos que lhe serviam de sustento.
Cedo descobriu que as armas que as suas presas usavam nada podiam contra ela, divertindo-se a vê-las correr em pânico de cada vez que fazia um voo rasante por entre os prédios.
A caça era toda a sua razão de viver; ansiava pelo momento em que iria sentir a carne a ser rasgada entre as suas garras, o sangue a escorrer pelo bico, o som de ossos a quebrar e gritos de pânico e dor insuportável entrelaçados.
Deliciava-se em fazer sofrer, ver as presas debaterem-se em agonia enquanto as esventrava.

Era uma predadora cem porcento eficiente: só não caçava o que não se mexia.
Em consciência é incorrecto chamar caça a um desporto de pura carnificina.
Encontrava-se completamente alheada da sua antiga humanidade ou, então, só agora é que exercia em pleno o que era ser-se humano... não era realmente algo em que pensasse.

Os arredores da cidade estavam pejados de corpos mutilados, trofeus de cães e gatos vadios, a início, agora disputados pelos animais selvagens das redondezas.
Pouco depois já não havia mais caça - os poucos seres que haviam sobrevivido iam definhando à medida que a comida escasseava.

Durante os dias seguintes caçar tornou-se um desafio - já se via obrigada a rondar os céus durante horas até que alguém saísse de um dos prédios.
Depois era a corrida por entre ruas abandonadas, voos picados que, regra geral, eram coroados com êxito.

Uma manhã - já à muito que perdera completa noção do tempo- viu-se surpreendida por um silêncio absoluto.
Nas ruas abandonadas não se via sequer as usuais ratazanas.
Dos prédios não saia o mais pequeno som.
Aguardou durante vários nascer-de-sol antes de se render à evidencia de que já não havia vivalma naquela cidade.

Distendeu as asas, fazendo estalar os ossos.
Com um elegante mergulho deixou-se cair em direcção à vastidão da planície. Contrariando a força da gravidade elevou-se em direcção ao Sol.

À medida que se aproximava do ocaso, o seu corpo começou a dissolver-se na luz, regressando ao seu criador.

Lá embaixo só a vida nos oceanos fervilhava.

26.10.04

Passo os dias
fechado comigo mesmo

O Inverno vai descendo

E quando olho para mim,
não está aqui ninguém

23.10.04

Conceitos - debatendo o amor

Há momentos ao longo da vida em que nos cruzamos com alguém especial... pode ser um conhecido de um amigo, que nos é apresentado durante os copos de uma saída nocturna, pode ser alguém que conhecemos num fim-de-semana, pode ser aquela pessoa que se cruzou connosco ainda há momentos, enquanto nos dirigíamos para casa.
Não consigo conceber que na vida só haja uma pessoa certa para cada um - a nossa outra metade – pois isso seria validar a ideia de que enquanto ser individual somos incompletos.
Se pensarmos que só nos apaixonamos por alguém depois de o conhecermos (excluindo aqui a atracção física por um desconhecido) podemos extrapolar que se nos fosse dada a possibilidade de conhecer todas as pessoas do mundo nos iríamos apaixonar uns milhões de vezes... já que na realidade a escolha do nosso "coração" foi, obrigatoriamente, sobre uma pessoa de um grupo muito restrito com o qual convivemos no nosso dia a dia.
Voltando à ideia inicial, cada dia cruzamo-nos, com certeza, com inúmeras pessoas com as quais temos incontáveis afinidades e pelas quais, no devido contexto, nos apaixonaríamos perdidamente.
Não pretendo com isto reduzir o amor que cada um sente pel@ seu/sua companheir@... o nosso amor não é findável e nele cabe um sem número de pessoas...
...simplesmente estamos com aquela que calhou estar à hora certa, no sítio certo.

21.10.04

Chuva (realidades)

Era uma vez. Não há tanto tempo assim.
A água escorre pela cara, a roupa cola-se ao corpo magro enregelado.
O pescoço está enterrado na gola de um casaco de couro, velho.
Pára na ombreira de uma papelaria enquanto conta as moedas que tira do bolso.
Uma madeixa do cabelo cai para a cara, fazendo um fio de água escorrer para a boca.
Atravessa a rua e entra num café. É o meio da tarde e há em quase todas as mesas universitários a estudar.
O ambiente é pesado, muito tabaco concentrado numa sala fechada.
As mesas são pequenas, redondas, velhas.
Do lado esquerdo está o balcão, em madeira suja com tampo de metal baço. Uma mulher baixinha e redonda, com um ar tão gasto que parece mais uma peça do estabelecimento.
Dirige-se a uma mesa no canto direito, ao lado da porta.Pede um café.Enquanto mexe o açúcar lê os arabescos desenhados na mesa.
Tira do bolso uma caneta e escreve num guardanapo:

“Não foi assim há tanto tempo.
Disseste que me amavas.
Eu acreditei.
Quando se ama acredita-se sempre. Porque se quer ou porque se tem de acreditar.
Acreditei de todas as vezes que o disseste.
Nada tinha importância depois de o dizeres pois toda a minha existência é a espera do momento em que volte a ouvir essas palavras da tua boca.

Vi-vos.
Iam juntos.
Com aquela intimidade de quem conhece cada pedaço do corpo do outro, aquele à vontade de se poder tocar em qualquer parte, pois é tudo nosso.
MEU.

Fiquei sem saber como reagir.
Segui-vos.
Segui-vos durante quinze minutos.
Seguravas no guarda-chuva.
Desisti daquela cena quando o frio começou a ser tanto que me fez sair do torpor em que caíra.
Desisti de qualquer cena.
Não tenho direitos sobre ti.
Nunca tive.
Eras sempre tu quem vencia.
Quando eu não queria, ficava.
Tu ias.
As festas com os teus amigos, as idas aos cafés, os encontros marcados comigo a que faltavas.
Quando se ama acredita-se sempre.
Nunca fui capaz de duvidar.
Duvidar seria morrer aos pouquinhos.

Morri.
Há uma hora que morri.
Ter a certeza é morrer.
Não vou chorar. Isso cabe aos outros. Um morto nunca chora por si. Deixa-se meter no caixão; ser enterrado.
Os outros que chorem.
Morrer. Cada milímetro de carne em mim está em agonia.
Grita de dor. Eu morri mas a minha carne não o sabe.
Inflige-me o maior sofrimento que já alguma vez senti.

Eu MORRI!
A minha carne não sabe.
A dor rasga-me a alma, tenta arrastar-me de volta à vida.
Um morto não sofre.
Não sente nada.
Mas eu sinto.

porque eu amo-te !? ”

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